Esse texto técnico tem como objetivo apresentar as principais características elétricas necessárias para atender um processo de especificação técnica de para-raios. Os dois primeiros itens, 1-Uc e 2-Ur, são fundamentais para que não ocorram equívocos durante esse processo.
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1 – MÁXIMA TENSÃO DE OPERAÇÃO CONTÍNUA (IEC (Uc) / ANSI (MCOV)).
Resumo:
“Tensão nominal fase-terra-rms”
F.S. = Fator de sobretensão em regime contínuo da classe de tensão
Conforme submódulo 2.3 da ONS, temos os seguintes valores de sobretensões:
Os barramentos e os equipamentos devem suportar, para a condição de operação em regime permanente, o valor máximo de tensão estabelecido nas Tabela 1.
Equipamentos localizados nos terminais de uma LT, que possam ficar energizados após a manobra da LT, devem suportar, no terminal em vazio, por uma hora, as sobretensões estabelecidas na Tabela 2.
Exemplo para o nível de tensão 138 kV:
Considerando o pior caso, para-raios instalados no teminal da linha de transmissão:
2 – SOBRETENSÕES TEMPORÁRIAS (TOV)
Resumo
“Tensão suportável durante duração das faltas monofásicas”
Sobretensão temporária suportável, determinada principalmente pelas condições do curto-circuito monofásico. Calculada geralmente para 1 segundo (tempo máximo considerado para eliminação da falta e de suportabilidade de vários equipamentos).
Durante uma falta franca à terra, o módulo da tensão da fase em falta vai para zero e há sobretensões nas duas outras fases “sãs” (fases não em falta).
Para determinar o valor da máxima tensão fase-terra temporária no ponto de instalação de para-raios deve-se calcular o fator de aterramento (K).
Onde:
Z0 = Impedância de sequência zero do sistema → Z0 = R0 + j X0
Z1 = Impedância de sequência positiva do sistema → Z1 = R1 + j X1
Em geral, esse valor de sobretensão em que as fases sãs atingem depende do tipo de aterramento do sistema.
2.1 – TOV EM SISTEMAS SOLIDAMENTE ATERRADO
Para sistemas com neutro efetivamente aterrado (0 ≤ X0 / X1 ≤ 3 e 0 ≤ R0 / X1 ≤ 1) o fator de aterramento (K) é inferior a 1,4 o que resulta em:
DICA PRÁTICA:
Icc monofásico MAIOR 60% a Icc trifásico = SOLIDAMENTE ATERRADO
Exemplo: Sistema de 230kV, solidamente aterrado
Considerando o pior caso, para-raios instalados no teminal da linha de transmissão:
IEEE C62.22:
NOTA 1: Em algumas aplicações, é utilizado uma margem de segurança entre a sobretensão temporária equivalente máxima e a tensão nominal, a fim de cobrir possíveis imprecisões na determinação da sobretensão. Os valores usuais dessas margens estão entre 5% e 15%. Fabricantes recomendam 10%.
Assim temos:
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Analisando o valor calculado de TOV (224,95 kV) com a curva de suportabilidade do fabricante:.
Usualmente as folhas de dados simplificadas dos para-raios não fornecem informações sobre TOV. Deve ser solicitado essa curva junto ao fabricante.
Devemos analisar a curva ou valor de TOV com absorção de uma energia prévia (maior solicitação), pois é comum no sistema elétrico de potência descargas atmosféricas causarem faltas monofásicas subsequente.
OBS: Em casos de baixa probabilidade de descarga direta (P.ex: Rede de Distribuição enterrada) pode-se avaliar utilizar curva SEM absorção de energia prévia.
Para o exemplo desse fabricante, a curva TOV é dada em função de Ur, que será abordado no item 3. Desse modo o valor de Ur deve ser maior que:
Considerando que a proteção atuará em até 1s, para essa curva o TOV para 1 s (1,175 pu) com descarga prévia, devemos atender um valor de Ur superior a:
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2.2 – TOV EM SISTEMAS ISOLADO OU ATERRADO POR IMPEDÂNCIA
Nota: Apesar de ser representado por transformadores com grupo de ligação delta e estrela com impedância, deve-se atentar para a relação entre o curto-circuito trifásico e o monofásico. Ou seja, por exemplo, uma subestação de 138 kV com transformador com ligação delta nesse nível de tensão pode estar conectada a um sistema solidamente aterrado se o Icc monofásico for maior que 60% do Icc trifásico.
DICA PRÁTICA:
Icc monofásico MENOR a 60% Icc trifásico = SISTEMA NÃO SOLIDAMENTE ATERRADO
Para sistemas com neutro isolado ou aterrado por alta impedância as sobretensões nas fases sãs podem exceder à tensão fase-fase do sistema, ou seja, o fator de aterramento é de √3 ou acima (“Deslocamento do neutro”).
Exemplo: Sistema de 34,5 kV, aterrado por resistência (Usual em parques eólicos/solares):
IEEE C62.22: NOTA 1- margens estão entre 5% e 15%
NOTA: Em sistemas onde não há atuação de proteção para curto‑circuito à terra, como nos terciários de transformadores, o valor de Uc deve ser aumentado atendendo o TOV calculado.
Considerando a mesma curva de suportabilidade TOV do sistema solidamente aterrado, o valor Ur para 1s com descarga prévia é igual a:
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3 – TENSÃO NOMINAL (IEC (UR) / ANSI (DUTY-CYCLE VOLTAGE RATING)).
RESUMO
“Tensão de teste.”
A tensão nominal consiste no valor de tensão (eficaz à frequência industrial) que é aplicada aos terminais do para-raios durante 10 segundos sob condições de sobretensão temporária. O para-raios deve operar corretamente e manter a estabilidade térmica após a absorção de uma energia prévia. Esta energia é estabelecida no ensaio de ciclo de operação.
Para a aquisição dos para-raios a tensão nominal Ur só é importante quando o catálogo não mostra o valor do TOV, pois ao considerar o valor de Ur (10s) para sobretensão temporária suportável estará sendo conservador, sem a necessidade de verificação do TOV.
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4 – CORRENTE NOMINAL DE DESCARGA
RESUMO
– Corrente de descarga elétrica passante através do para-raios para a terra durante sua atuação.
Como regra geral, recomendado pela IEC 60099-4:
– Faixa I (acima de 1 kV a 245 kV): 10 kA
– Faixa II (acima de 245 kV): 20 kA
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5 – TENSÃO RESIDUAL (Vr)
RESUMO
“Tensão (valor de pico) de “corte” do para-raios.”
Consiste no valor de crista da tensão que aparece entre os terminais de um para-raios durante a passagem da corrente de descarga.
Os valores de tensão residual são input para os estudos de transitórios eletromagnéticos. A eficácia dos valores de tensão residual será confirmada nos estudos.
Como observação geral, quanto menor o valor de tensão residual dos para-raios, maior será a proteção do isolamento dos equipamentos (NBI) contra surtos atmosféricos e de manobras.
Aqui chegamos em um ponto chamado pelo jargão “cobertor curto”.
Diminuindo o valor da tensão residual, geralmente temos menores valores de Uc e TOV, deixando os para-raios mais suscetível a falha por superação de absorção de energia ou rigidez dielétrica causadas por outros tipos de sobretensões sistêmicas. Por isso da importância do correto dimensionamento dos valores de Uc e TOV conforme já descrito.
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OBSERVAÇÃO IMPORTANTE:
Deve-se também observar os padrões das transmissoras e concessionárias de energia durante a definição dos parâmetros dos Para-raios. Algumas exigem padrões determinados para cada níveis de tensão, só aprovando para-raios homologados com a intenção de manter a coordenação de isolamento padrão e ter sobressalentes disponíveis.
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REFERÊNCIAS
[1] Frontin, Sergio O. “EQUIPAMENTOS DE ALTA TENSÃO – Prospecção e Hierarquização de Inovações Tecnológicas, 2013;
[2] IEC 60099-4 ” Surge arresters – Part 4: Metal-oxide surge arresters without gaps for a.c. systems, 2014;
[3] IEC 60099-5 ” Surge arresters – Part 5: Selection and application recommendations, 2018;
[4] IEEE Std C62.1 “IEEE Standard for Metal-Oxide Surge Arresters for AC Power Circuits (>1 kV)”, 2012;
[5] IEEE Std C62.22 “IEEE Guide for the Application of Metal-Oxide Surge Arresters for Alternating-Current Systems”, 2009;
[6] Greenwood, A. “Electrical Transients In Power Systems”, Wiley-Intersciense, 1971;
[7] L. C. Zanetta Júnior, “Transitórios Eletromagnéticos em Sistemas de Potência”, Ed. USP, 2003;
[8] DINIZ, AELLFCLÊNITON M. M, “Ensaios e avaliação elétrica de um novo projeto de para-raios para sistemas de distribuição em média tensão”, 2011;
[9] D’Ajuz, A., et. AL., “Transitórios Elétricos e Coordenação de Isolamento – Aplicação em sistemas de potência de alta tensão”, FURNAS, 1987;
[10] K. Berger, R.B. Anderson and H. Kroningh – “Parameters of Lightning Flashes”, Electra n° 41, July 1975;
[11] IEC TR 60071-4, “Insulation co-ordination – Part 4: Computational guide to insulation co-ordination and modeling of electrical networks”, 204.
[12] Juan A. Martinez-Velasco, “Power System Transients – Parameter Determination”, CRC Press, 2010.
[13] “Guide to Procedures for Estimating the Lightning Performance of Transmission Lines”. Working Group 01 (Lightning) of Study Committee 33 (Overvoltages and Insulation Coordination). CIGRÉ. October, 1991.
[14] “Diretrizes para a Elaboração de Projetos Básicos para Empreendimentos de Transmissão – Estudos elétricos, Especificação das Instalações, de Equipamentos e de Linhas de Transmissão” – ONS – 2013;
[15] IEC TR 60071-4, “insulation co-ordination – Part 1: Definitions, principles and rules”, 2019.
[16] IEEE Std 142, “IEEE Standard – Recommended Practice for Grounding of Industrial and Commercial Power Systems”, 2007.